segunda-feira, 17 de outubro de 2011

AO ADICTO QUE MORREU SOFRENDO


Eu queria ser veterinária aos 5 anos. Depois quis ser enfermeira aos 11 anos. Assim foram meus sonhos de infância. Gostava de brincar de carrinhos ou de fazer comidinha, bonecas nunca chamaram minha atenção. Ganhei um pianinho aos 4 anos, presente de meu falecido tio, adicto como eu. Numa briga dele com minha mãe ela partiu meu pianinho em mil pedaços. Esse tio, adicto como eu, sempre esteve na ativa, até a colheita do que havia semeado durante sua adicção. Dizem que o plantio não é obrigatório, mas que jamais deixaremos de colher o que plantamos.. Ele definhou num colchão d'água, tetraplégico, com uma bala alojada numa das vértebras do pescoço. Nosso fim sempre é o mesmo (os 3 C's), Cadeia, Clínica ou Cemitério. Naquela época não tínhamos tantas chances de conhecer recuperação, a drogadição era mau-caratismo e sem-vergonhismo, apenas.
Ele gostava de me levar ao seu salão de beleza e me dar Danoninho. Me deixava girar o quanto eu quisesse naquela cadeira onde seus clientes sentavam. Me penteava e arrumava meu cabelo. Os conflitos entre ele e minha mãe eram inevitáveis e sempre que ela podia não me deixava ficar com ele; sempre que ele podia, me roubava um pouco para me dar carinho e contar histórias..
Hoje os adictos do mundo inteiro tem a oportunidade de se recuperar, frequentando grupos de auto-ajuda, como por exemplo Narcóticos Anônimos.
A adicção é uma doença incurável, progressiva e fatal. A única maneira de sobreviver a ela é estando em recuperação, limpo e abstêmico de tudo que altere nosso humor ou nossa consciência. Um dia limpo é um dia bem sucedido, um adicto limpo por um dia é um milagre.
Um dia um instante de silêncio feito dentro de uma sala de NA chegou até mim, fazendo-me ver meu deplorável estado. Hoje eu faço este instante de silêncio, que ultrapassa qualquer barreira, para aquele adicto que está sofrendo, um instante de silêncio para adictos sofrendo no uso e, confesso, principalmente para aqueles que usaram drogas junto comigo, para que eles encontrem o caminho de NA antes da morte.

Dedico esta ao Osman, meu falecido tio, que mesmo transtornando a família (me contam), aterrorizando por onde passava (me contam), foi um tio amoroso que jamais se apresentou perante mim drogado. 
Dedico esta também a todos os adictos que morreram nas garras destrutivas da adicção ativa.

Hoje e só por hoje estou limpa, dentro de uma sala de NA. Graças àquela mesa farta, ao meu Poder Superior e ao companheirismo de outros como eu este milagre vem acontecendo na minha vida há 20 minutos, 13 horas, 21 dias, 5 meses e 1 ano. O "só por hoje" me salva de mim mesma a cada despertar em que eu decido não usar, haja o que houver, SÓ POR HOJE!

"Há apenas dois dias em que nada posso fazer.. o ontem que já passou e posso apenas aceitar e o amanhã, que não está nas minhas mãos."

Um dia de cada vez funciona, bons momentos e muita serenidade e aceitação a todos os leitores. Sem o apoio de vocês minha caminhada seria mais difícil.